segunda-feira, 29 de maio de 2017

O Picolino (Top Hat, 1935), o filme mais famoso da dupla Fred Astaire e Ginger Rogers


Filmes musicais provocam sempre reações adversas no público. Há os que ficam fascinados pelos espetaculares números apresentados na tela, assim como os que se entediam assistindo uma vasta gama de sentimentos serem declarados através de canções, de uma maneira nada verossímil. A verdade é que a grande qualidade deste gênero é também seu maior defeito. A falta de elementos plausíveis é o principal argumento dos críticos, porém a necessidade de adentrar em um mundo mágico com um final feliz garantido é a indubitável fórmula do sucesso para os admiradores deste estilo. Parte da realeza dos musicais, Fred Astaire e Gingers entendiam como ninguém da arte de criar uma rota de fuga da realidade, muitas vezes dolorosa, para um lugar seguro e sereno, onde por cerca de duas horas repletas de coreografias perfeitamente ensaiadas e melodias suavemente apaixonadas, nada de mal poderia lhe acontecer.

Astaire e Rogers - O início de tudo



Voando Para o Rio (Flying Down to Rio, 1933) foi estrelado pela mexicana Dolores Del Río, ao lado de Gene Raymond, como seu par romântico. Com um enredo fraco, tinha tudo para se tornar apenas mais um filme esquecível da década de 30, não fosse a presença de dois coadjuvantes que chamaram a atenção dos executivos e do público por sua enorme química. Fred Astaire e Ginger Rogers ganharam no ano seguinte seu próprio musical, chamado A Alegre Divorciada (The Gay Divorcee). Embora já houvessem alcançado uma certa fama a esta altura, a dupla voltou a atuar em papéis secundários no longa Roberta, protagonizado por Irene Dunne em 1935. Mas este ano reservava para os dois o verdadeiro divisor de águas de suas carreiras, com o lançamento de O Picolino (Top Hat), que fez um enorme sucesso de público. Astaire e Rogers protagonizariam ainda mais seis filmes: Nas Águas da Esquadra (Follow the Fleet, 1936), Ritmo Louco (Swing Time, 1936), Vamos Dançar? (Shall We Dance, 1937), Dance Comigo (Carefree, 1938), A Vida de Vernon e Irene Castle (The Story of Vernon and Irene Castle, 1939) e Ciúme, Sinal de Amor (1949).

O auge e a importância da dupla durante a Grande Depressão


Com a quebra da bolsa Nova York, em 1929, os Estados Unidos mergulharam em uma das fases mais obscuras de sua história. Durante toda a década de 30, milhares de americanos se viram devastados pela grave crise econômica do país. A falta de emprego e a escassez de alimentos, fez com que milhares de pessoas fossem afetadas, causando a ruína de diversas famílias, incluindo muitos homens de negócio, que se viram falidos da noite para o dia. A situação alastrou-se para todo o mundo, incluindo o Brasil, fazendo com que o número de suicídios aumentasse de maneira alarmante. Neste cenário de verdadeira desesperança, tudo o que o público precisava era de algumas horas de alegria e da crença de que tudo poderia ser melhor. Durante a década, comédias e musicais faziam enorme sucesso e acalentavam um povo que clamava por um pouco de ilusão. Ao assistir as histórias simples e felizes estreladas por Fred Astaire e Ginger Rogers, com suas confusões divertidas e músicas inspiradoras, as pessoas entravam em um mundo dos sonhos, onde os problemas reais não poderiam alcança-las. Não podemos deixar de creditar parte desta pureza e inocência da época ao Código Hays, responsável pela forte censura dos filmes, que visava combater qualquer tipo de fala ou cena considerada imoral, incluindo coisas bobas, como um casal aparecer deitado na mesma cama.

A magia trazida pelos filmes da dupla foi retratada por Woody Allen no filme A Rosa Púrpura do Cairo, quando a personagem de Mia Farrow vai ao cinema assistir O Picolino para esquecer sua recente decepção amorosa, traduzindo com perfeição o sentimento de 'fuga da realidade'. Veja a cena abaixo:


Um pouco sobre O Picolino


Jerry Travers (Fred Astaire) é uma estrela dos palcos que está em Londres para uma apresentação. Hospedado junto com seu amigo e empresário Horace Hardwick (Edward Everett Horton)em um hotel, ele conhece de maneira intempestiva a bela Dale Tremont (Ginger Rogers), por quem se apaixona imediatamente. A jovem havia ficado furiosa com Jerry, por ele estar sapateando no andar de cima altas horas da noite, o que não a deixava dormir. Logo, a insistência do rapaz e seus galanteios, fazem com que ela também caia de amores por ele. Tudo estaria perfeito para o casal de pombinhos, não fosse um mal-entendido que faz com que Dale pense que seu amado já é casado, e para piorar, com uma de suas melhores amigas, Madge Hardwick (Helen Broderick).


Na verdade, o marido de Madge é Horace, o companheiro de quarto de Jerry. Por uma série de situações cômicas e repletas de confusão, típicas dos filmes de comédia da década, os dois casais passam por diversos desentendimentos e momentos embaraçosos até que tudo é finalmente esclarecido. 

O fator 'Astaire'


Desde que começou a ter mais poder de decisão e influência em seus filmes, Fred Astaire criou seu próprio estilo, revolucionando a forma de se filmar musicais. Ao invés dos grandiosos números repletos de cortes, onde eram mostradas tomadas de vários ângulos, com cortes para as pernas dos dançarinos e close-ups, Astaire optou pela simplicidade, preferindo mostrar as coreografias por inteiro,como se o público estivesse assistindo ao número no teatro. 

Cena de Rua 42 (1933)

A simplicidade na maneira de filmar, dando destaque aos dançarinos, que eram mostrados de corpo inteiro, fez com que o talento individual da dupla, especialmente o do próprio Astaire, se destacasse ainda mais. No entanto, no número 'O Picolino' podemos ver uma dessas cenas espetaculares, comuns na época, com diversos bailarinos executando uma coreografia milimetricamente ensaiada.

Cheek To Cheek


Certamente, a cena onde Fred canta Cheek to Cheek para Ginger é a mais conhecida de todos os filmes da dupla. Composta por Irving Berlin, a canção fez um enorme sucesso e foi regravada inúmeras vezes. Recentemente, voltou às paradas com a versão de Lady Gaga e Tony Bennett. Embora essa seja a música de maior destaque, todas as que aparecem no longa caíram nas graças do público, chegando a tocar no rádio. Irving Berlin e Fred Astaire tornaram-se grandes amigos, fazendo diversas parcerias, como nos filmes Duas Semanas de Prazer (Holiday Inn, 1942) e Desfile de Páscoa (Easter Parade, 1948), dentre outros.

A dupla com Irving Berlin

O vestido da discórdia


Ainda sobre a icônica cena, Ginger Rogers escolheu um vestido azul repleto de penas, que vestiu-lhe com perfeição e lhe daria um belíssimo movimento durante a dança. Mas Fred Astaire odiou de imediato o figurino de sua parceira, já que as penas não só sujavam todo o chão, como também entravam nos seus olhos e nariz durante a coreografia, o que lhe deixava louco. Após uma discussão, onde Ginger bateu o pé e disse que só faria a cena usando o vestido, Fred acabou cedendo a contra gosto. Para fazer as pazes, o ator enviou-lhe um medalhão cheio de penas, junto com um bilhete que dizia 'você estava certa'. A atriz, no entanto, acabou ficando com o apelido carinhoso de 'Feathers' (penas), e era sempre chamada assim por ele.

Fred ironizou a situação cômica no filme Desfile de Páscoa, ao lado de Judy Garland, fazendo uma paródia do caso. Ele também costumava cantar uma versão alternativa da famosa canção tema, que virou "Feathers, I hate feathers/And I hate them so that I can hardly speak/And I never find the happiness I seek/With those chicken feathers dancing cheek to cheek.", onde afirmava seu ódio pelas penas.

Veja a cena (repare as penas caindo do vestido):


Coreografias


Fred Astaire contava com a ajuda de seu amigo e sósia, Hermes Pan, para criar as coreografias de seus filmes. Já Ginger Rogers estava sempre ocupada com outros projetos, já que queria ser reconhecida como atriz, não só através dos musicais. O número de trabalhos feitos pela loira durante este período é consideravelmente maior do que os feitos por Astaire, que trabalhava pessoalmente na criação dos filmes da dupla. Para os ensaios, Fred e Pan dançavam juntos, o que causava algumas gargalhadas nos membros da equipe. Os dois também eram frequentemente confundidos por conta de sua semelhança física.

Ginger ensaiando com Hermes Pan, incrivelmente parecido com Fred na imagem

Cenários

Quarto do hotel

Os enormes cenários num estilo art déco são uma atração à parte e chamam a atenção até de quem não costuma reparar nesse tipo de detalhe. Grandes e irreais, eles acabam se tornando uma das características mais marcantes e encantadoras do filme, mais uma vez trazendo à tona o sentimento de 'um mundo mágico'.

Veneza retratada no filme

Gravação da cena mais famosa do filme

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